Cineasta conta uma emocionante história de amor na véspera do fim do mundo
*Por Luiza Piffero
Há boas chances de você ainda não ter visto uma ficção científica como “Os Últimos Românticos do Mundo”, de Henrique Arruda. Ambientado em novembro de 2050, em Recife, o filme acompanha os últimos dias antes do fim do mundo. No entanto, a ameaça não é um meteoro nem uma invasão alienígena, mas uma nuvem rosa que avança destruindo tudo pelo caminho. Os carismáticos protagonistas, Pedro e Miguel encaram o fim (ou talvez o recomeço?) com amor, senso de humor e a esperança de que a próxima geração seja composta só por “sapatas que sangram glitter”.
Exibido em festivais brasileiros e estrangeiros, o filme já conquistou uma dezena de prêmios. Embora se passe no futuro, é também uma homenagem aos anos 1980, com estética de VHS e referências que vão de Xuxa a Bonnie Tyler.
Confira o que o diretor e roteirista Henrique Arruda conta sobre a obra:
1 - Como conseguiram reproduzir tão bem a estética oitentista do filme?
Eu acho que isso se deve aos múltiplos olhares sobre a década dentro da equipe. Carlota, nossa diretora de arte, tinha um universo de referências que se juntaram com as minhas, vindas principalmente da minha mãe, passando por Esther e Camilina, nossas figurinistas... então acredito que foi realmente uma explosão de clipes, filmes, ícones da década. Desde o começo eu sabia que iríamos construir uma fábula futurista, mas guiada por essa década tão marcante para a cultura pop, que é a essência do filme. Eu amo toda essa visão mais clichê dos anos 1980 porque cresci consumindo todas elas, a partir da minha mãe. A gente ama muito Bonnie Tyler <3
2 - A cor rosa pode ter muitos significados. Qual a simbologia dela em “Os Últimos Românticos do Mundo”?
A simbologia é a mesma que carrego desde muito pequeno, quando comecei a entender que amava tudo nessa cor, ao mesmo tempo que sempre era julgado por ter um lápis cor de rosa, uma lancheira cor de rosa... Na infância isso acaba tendo um peso muito maior do que deve, principalmente na escola, onde eu sofri diversos ataques ao longo da vida, seja pelo rosa, pelo meu corpo ou pela minha voz. Ao longo dos anos essa cor foi se tornando um escudo, uma nuvem, tão forte que é capaz de destruir e reconstruir universos, e acho que é isso que quis levar para o filme, uma nuvem rosa que está destruindo o planeta, mas que mesmo assim é capaz de gerar esperança em todos nós, esperança para novos universos imaginários e possíveis de se construir.
3 - O filme repete um recado várias vezes: “amem-se”, que pode ser entendido como amar a si mesmo e também ao outro. O que motivou você a enviar esse recado ao mundo agora?
É o grito de guerra mais natural que a gente conhece desde muito cedo, e é também a minha fonte maior para todos os universos que crio, o amor. Mas no caso do filme eu queria que ele tivesse um certo mantra, um grito, um recado específico, e esse surgiu de forma muito natural, a partir da nossa pré-produção, enquanto criávamos o caderno de Pedro, que nos primeiros cortes do filme tinha até bem mais espaço narrativo. Nunca vai ser tarde ou clichê demais lembrar que a gente precisa espalhar amor no mundo, começando pelo amor dentro da gente, e nesse momento que enfrentamos, com um (des)governo genocida, e com tantas nuances preocupantes no país, é mais que um recado, uma urgência para lembrar, principalmente a nós LGBTQIA+ que não estamos sozinhos.
Henrique Arruda. Crédito da foto: Sylara Silvério
4 - O tema do 14º CEN é Cadernos de Artistas e um dos protagonistas do filme “Os Últimos Românticos do Mundo” tem um! Conta mais sobre isso para a gente.
No filme, Pedro e Miguel decidem sair pela estrada, rumo ao fim do mundo, espalhando mensagens de amor para os próximos habitantes do planeta, assim como indica a própria estação do apocalipse a cada boletim do fim do mundo que eles escutam, a partir do rádio que Miguel leva pela estrada.
Pedro, que, além de Drag Queen, também é artista plástico, carrega na mala vários materiais autorais para espalhar pela estrada, e deixar de registro para os próximos habitantes do planeta. Isso é pincelado no filme, em um primeiro momento, quando eles colam um lambe com os dizeres "amem-se" ainda na cidade, e em um segundo momento, quando Pedro conclui o seu caderno "Para os Próximos Habitantes do Planeta", no alto de uma montanha.
O caderno faz o personagem lembrar de sua mãe, Cindy Vina, interpretada pela Sharlene Esse, e de forma simbólica os dois deixam o caderno em uma árvore para que dê frutos para os próximos habitantes do planeta.
O caderno em si foi criado inteiramente pela artista plástica Laura Pascoal (que eu cheguei a citar também nas referências do caderno de artista). A gente teve várias conversas durante a pré-produção sobre textura de folhas, se teria colagens... quais mensagens iriam ser estampadas no caderno, e foi muito a partir dessas nuvens criadas entre a gente que surgiu o mantra do filme, "amem-se"... Para a concepção do caderno, a Laura basicamente adaptou sua própria linguagem, e o resultado é um material LINDO que mistura diversas técnicas de colagem, pintura, glitter... É um caderno que tenho inteiro até hoje, e que é muito especial pra mim, porque no longa-metragem (em desenvolvimento) ele ganha um significado muito maior.
Caderno criado por Laura Pascoal para o filme
5 - O filme estreou na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no in
ício de 2020, quando a pandemia ainda não tinha sido declarada no mundo e nem divulgada no Brasil. Como esse evento histórico digno de ficção científica tem influenciado a recepção do filme nos vários festivais em que está participando?
Para essa análise eu realmente não consigo ter nenhum romantismo. Foi um enorme desafio ver a obra online já na segunda exibição, nessas circunstâncias, isolado, de máscara, com medo da rua. Ninguém sabia ainda o que ia acontecer, depois da nossa primeira e única exibição na tela de um cinema, em Tiradentes, no ano passado, e de repente a gente ganhou muitos seguidores, que compartilhavam o filme, imprimiam frames pra criar quadros, tiravam fotos de quando o céu estava rosa e marcavam a gente, faziam ilustrações de Pedro e Miguel, mas principalmente, por 22 minutos e 50 segundos conseguiam sair um pouco desse universo cruel que estamos vivendo para entrar num mundo cor de rosa que mesmo no fim ainda conseguia enxergar esperança nos próximos habitantes do planeta. Certamente esse carinho tem dado uma força enorme tanto para mim quanto para as pessoas que se conectam com esse mundo cor de rosa, mas é angustiante saber que o filme vai cumprir a sua jornada, espalhando essa semente de esperança, sem que a gente possa se abraçar, se encontrar, correr pra rua e cantar Total Eclipse of The Heart... Mas, enfim, que possamos, assim como Pedro e Miguel, seguir juntos até tudo isso passar. Amem-se!
6 - Vou te devolver a pergunta que o filme faz: o que você faria se o mundo fosse acabar?
Eu certamente reproduziria um look da Gaga, e correria para a estrada com todos os que mais amo até chegarmos em Chromatica.
7 - Pode comentar o conteúdo que você enviou para o Caderno de Artista?
Ah, foi um momento muito incrível de me reconectar com várias referências que fizeram parte dessa jornada de construção desse universo, e uma grata surpresa pelo festival criar um espaço onde a gente realmente pudesse falar de coisas tão subjetivas. Achei lindo demais esse tipo de carinho com nossas obras, e fiquei feliz de reunir alguns dos filmes, clipes e textos que moldaram o apocalipse cor de rosa. Obrigado por isso.
8 - Por último, pode fazer um breve comentário sobre a obra convidada?
Looping é um filme que eu AMOOO porque vi ele nascer junto com o Maick desde quando a gente se conheceu em festivais, rodando com os nossos primeiros filmes, então eu tenho um carinho enorme por ver como ele lutou por essa obra, pela forma sempre tão afetuosa que Maick tem de olhar para os corpos, e por todos os nossos reencontros em várias fases das nossas vidas, ao longo desses anos. É um filme lindo!
Ilustração: Laura Pascoal
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