Cadernos de Artista são o grande desafio desta edição do festival
Se os curadores do 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira estão ocupados com a seleção do que vai ser exibido, cabe ao programador definir o “como”. Em um ano atípico como este, esta missão ficou ainda mais desafiante já que, pela primeira vez em sua história, o festival será realizado de maneira totalmente on-line. O Cine Esquema Novo (CEN) ocorre aqui mesmo, gratuitamente, entre 10 e 15 de abril.
Ramiro Azevedo, coordenador de programação desta 14ª edição, está se dedicando a destrinchar essa nova forma de levar cinema ao público. Neste ano, ele não precisa se preocupar com organizar sessões em salas de cinema e galerias de arte. Todos os filmes do festival estarão disponíveis no site do CEN 24 horas por dia durante os seis dias do festival. Não é pouca coisa: 31 filmes da Mostra Competitiva Brasil acompanhados do material que cada um envia para o seu Caderno de Artista, 12 filmes da Mostra Outros Esquemas e ainda seis filmes da Mostra Artista Convidado Welket Bungué.
Como nos outros anos, o trabalho da programação começa já nas inscrições, preparando fichas a serem preenchidas pelos candidatos e repassando os lotes de filmes aos curadores que farão a seleção. Com a lista de selecionados em mãos, a equipe avisa os realizadores contemplados e coleta mais informações sobre os filmes. Essa fase está especialmente desafiadora em 2021 por conta dos Cadernos de Artista (na imagem acima). Segundo a proposta desta edição, cada autor foi convocado a enviar materiais para compor esse espaço virtual que vai permitir ao público fazer uma imersão no universo criativo dos filmes da Mostra Competitiva Brasil. Ramiro e sua equipe (Isabel Cardoso, Jeferson Silva e Inassara) receberam todo tipo de material, incluindo fotos, desenhos, reportagens, entrevistas, projetos para edital, trechos de livros, playlists que “deram um clima para o filme”, depoimentos por escrito e áudios trocados pela equipe de produção de um filme.
Ramiro Azevedo. Foto: Thiéle Elissa
Tudo isso precisa ser catalogado nos mínimos detalhes. Portanto, a equipe de programação tem corrido contra o tempo para levantar informações e liberar os direitos autorais de algumas obras. “Tem muita troca de e-mail com os realizadores, muitas mensagens no WhatsApp. Têm sido dias bem intensos”, conta Ramiro, que é sócio da ACENDI – Associação Cine Esquema Novo de Desenvolvimento da Imagem, ao lado de Jaqueline Beltrame, Gustavo Spolidoro e Alisson Avila.
A exibição por streaming é um novo capítulo da evolução tecnológica que Ramiro presencia no cinema desde 2006, quando começou a trabalhar no CEN. Naquela época, como assistente de curadoria, tinha de recolher as cópias dos filmes enviados pelos inscritos (em torno de 900!), e distribuir entre os jurados de seleção. “A gente recebia DVDs e VHS pelo correio. Eu ia ao supermercado pedir caixa de papelão para poder botar todos e distribuir em pontos diferentes. Depois, recolhia tudo de volta, lotava um quarto da casa, era sempre um motivo de briga na família. Hoje a gente recebe um link do filme em qualidade 4k.”
A tecnologia também proporcionou a produção de filmes muito bem acabados, gravados com celular por todo tipo de realizador: jovens estudantes, senhores aposentados, coletivos e por aí vai. E se antes eles eram exibidos em super-8, 16mm, 35mm, vhs e dvd, agora o padrão é a cópia digital em DCP, com som 5.1.
“Recebemos o arquivo, baixamos, jogamos para um HD, e através de um media player ligado no projetor da sala vai para o público. Nesta edição, vamos usar uma plataforma online no nosso site. A tecnologia teve um salto exponencial nesses anos todos e facilitou bastante a minha vida. Sem contar a questão ecológica, não tem impressão em papel, DVD, CD, VHS”, compartilha Ramiro. Só que essa mudança também traz novos desafios: foi preciso encontrar não apenas a plataforma de exibição de filmes ideal para o CEN, como também a plataforma de conferência que será usada para oficinas, seminário e debates do festival. Nesse levantamento, um critério importante foi a acessibilidade: a plataforma que hospedará os filmes possibilita a disponibilização de versões com legendas descritivas, LIBRAS e audiodescrição.
Outra ferramenta importante é o geoblock, que bloqueia o acesso de outros países a alguns filmes exibidos no CEN. “Isso, na parte de estratégia de lançamento de um filme, é muito importante. Por exemplo, tem uns filmes fazendo estreia mundial no CEN que pretendem participar de festivais internacionais e para isso têm de estar inéditos em outros continentes”, esclarece Ramiro.
Mas o organizador admite que nem tudo é positivo: “Uma cópia em 35mm dificilmente dava problema na hora de rodar”. Para o programador, os encontros presenciais eram sempre o ponto alto do festival – aquelas conversas travadas na sala de cinema, na fila, no debate ou no bar. Agora ele não precisa mais se preocupar com a lotação de cada sala, mas em garantir que internautas de todo o Brasil e do mundo possam desfrutar do festival, antes restrito ao público de Porto Alegre e visitantes. Para ele, é motivo de comemoração: “Vamos poder apresentar nosso conceito de arte audiovisual para um público inédito”.
O 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira é uma realização da ACENDI – Associação Cine Esquema Novo de Desenvolvimento da Imagem. Projeto realizado com recursos da Lei nº 14.017/2020.
*Texto por Luiza Piffero