5 perguntas para Henrique Amud, codiretor de "Atordoado, Eu Permaneço Atento”

Documentário experimental mostra a ditadura pelos olhos do jornalista Dermi Azevedo

Selecionado para a Mostra Competitiva Brasil do 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira, o documentário Atordoado, Eu Permaneço Atento mostra os horrores da Ditadura Militar ao mergulhar na história de vida do jornalista e ativista de direitos humanos Dermi Azevedo. Preso e torturado nos anos 1970, Dermi ainda viu seu filho de quase dois anos ser agredido pela polícia militar. 

Além de cenas documentais, o curta-metragem faz uma colagem de imagens diversas que reforça o impacto emocional da história. Para a dupla de diretores Henrique Amud e Lucas H. Rossi dos Santos, Atordoado, Eu Permaneço Atento é também um alerta sobre os rumos que o Brasil de hoje está tomando.

Confira abaixo a entrevista com Henrique Amud. Lucas dos Santos também dirige outro filme selecionado para a Mostra Competitiva Brasil, Ser Feliz no Vão. Você pode ler a entrevista dele aqui.

 

1 - Você e o Lucas Rossi dos Santos construíram um filme com uma grande riqueza de imagens de natureza documental, lírica, violenta, abstrata e mais. Como foi o processo de encontrar essas imagens?

Henrique Amud - Desde o início tínhamos o intuito de trabalhar com materiais de arquivo no filme, embora não soubéssemos exatamente o que iríamos usar. Entrevistamos o Dermi Azevedo com nosso diretor de fotografia Felipe Mondoni e capturamos imagens muito boas, mas sabíamos que a imagem do Dermi em quadro teria muito mais força se preservássemos ela para momentos chave. 

Num primeiro momento deixamos com que uma pesquisa mais linear sobre o período da ditadura nos guiasse, mas no meio do processo nós fomos nos permitindo escapar da noção de ilustrar o que estava sendo dito para poder explorar construções mais subjetivas e intuitivas (sem medo de viajar na maionese). Muitas vezes o Lucas (que além de dirigir o filme, também foi o montador) sabia que ele queria um tipo de imagem/ação/estética para determinada sequência, mas não tinha uma imagem específica na cabeça. Então algumas vezes nós passamos semanas só pesquisando e testando imagens para determinadas sequências. Pesquisamos nos mais variados acervos audiovisuais, mas as imagens mais interessantes conseguimos através de acervos pessoais familiares ou alguns cineastas dos quais somos muito fãs (e gratos) como Bill Morrison, Andreas Valentin e João Batista de Andrade.

 

2 - Várias escolhas afastam o filme de um documentário convencional. Pode citar algumas delas e por que foi importante narrar a história real de um jornalista usando recursos das artes visuais, do cinema de ficção, etc.?

Ao produzir esse curta nós só tínhamos duas coisas na cabeça: 1) Fazer jus à história do Dermi e produzir uma pesquisa que não nos envergonhasse ao contar a história de um jornalista; 2) Criar um filme que nos permitisse experimentar à vontade com linguagens que tínhamos interesse de explorar, sem qualquer tipo de pressão, ansiedade ou expectativa. Nós literalmente não tínhamos ideia se alguém gostaria do filme ou se achariam que erramos na mão, que exageramos aqui, ali ou em todo lugar (e eu sei que muita gente pensa isso do filme, de fato, e tá tudo certo). Então aproveitamos essa liberdade pra testar um arsenal de coisas diferentes, mas claro, sempre tentando construir uma coerência narrativa e visual que tivesse que funcionar pra gente, mesmo que só nós dois fossemos entender.

 


Henrique Amud. Crédito da foto: Roberto Macedo

 

3 - O que você aprendeu com essa experiência de mergulhar na vida de Dermi Azevedo?

Ter a chance de conversar com o Dermi e absorver um pouco do vasto conhecimento histórico, político e pessoal dele sobre a história do Brasil e sobre questões geopolíticas dos últimos 60 anos foi incrível e já valeu ter feito o filme. Nossa entrevista acabou tocando em muitos outros assuntos em quase três horas de material gravado, mas infelizmente não tinha como caber tudo nesse filme. Além disso, mergulhar nessa pesquisa de imagens e documentos da ditadura nos fez entender mais claramente o tamanho  da brutalidade e perversidade do governo golpista e dos seus tentáculos que nunca estiveram afastados do poder no Brasil.

 

4 - Vocês já disseram que as eleições de 2018 motivaram vocês a realizar este filme. Podem elaborar um pouco a importância deste filme neste momento histórico? Acreditam que o cinema pode ajudar a lembrar e sensibilizar quem atenua ou até defende a ditadura?

Nós faríamos esse filme de qualquer forma, em algum momento, por que a história do Dermi merecia ser contada e divulgada. Mas sim, realmente as eleições de 2018 aceleraram o nosso processo, na base da raiva e da frustração. Só podemos esperar que o filme faça a diferença para alguém, que as pessoas que assistirem possam se interessar em pesquisar melhor essa época e parar de prestar atenção no que está escrito no Whatsapp. Não temos controle sobre isso, infelizmente. 

Já nos perguntamos algumas vezes, se alguém que apoia a ditadura ou nega o que aconteceu de fato assistiria ao nosso filme e se isso teria qualquer impacto nas suas opiniões e certezas, mas não temos como saber. De qualquer forma, fazer cultura no Brasil é um ato político. Falar do passado é falar do futuro. Existem centenas de filmes sobre a Ditadura Militar e outras centenas mais ainda precisam ser feitos, porque histórias tão absurdas quanto a vivida por Dermi e sua família aconteceram e ainda estão sendo redescobertas. O importante é que a gente nunca perca o passado de vista. 

 

5 - Por fim, você poderia comentar sobre a obra convidada?

Abigail é um poderoso documentário de Valentina Homem e Isabel Penoni, que já esteve na seleção do Cine Esquema Novo e na Quinzena dos Realizadores de Cannes, e não à toa. O documentário, que percorre temas como a "pacificação" de tribos indígenas nos anos 1940 e o renascimento espiritual e social através do Candomblé, conta de forma muito envolvente uma história sobre a importância da preservação de todo tipo de cultura e do arrependimento de quem participou de apagamentos. Esteticamente é um filme que gostamos muito pela maneira que explora, de maneira simples e muito efetiva, imagens de arquivo do passado e imagens do presente em uma casa para criar uma atmosfera desconcertante, guiados por uma afetuosa narração sobre uma pessoa que as realizadoras tiveram a sorte de conhecer, mesmo que por alguns momentos, assim como nós que assistimos o filme.

 

*O 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira é uma realização da ACENDI – Associação Cine Esquema Novo de Desenvolvimento da Imagem. Projeto realizado com recursos da Lei nº 14.017/2020.

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