Gustavo Vinagre
Gustavo Vinagre
2019, 86min, SP
Gustavo Vinagre
2019, 86min, SP
Vil, Má
Vil, Má
Wilma Azevedo é uma escritora de contos eróticos e dominatrix de 74 anos. Mas ela é também Edivina Ribeiro, jornalista, mãe de 3 filhos, religiosa e esposa dedicada. Qual delas criou a outra? |
Empresa Produtora: Avoa Filmes e Carneiro Verde Filmes
Direção: Gustavo Vinagre
Produção: Gustavo Vinagre, Max Eluard e Rodrigo Carneiro
Produção Executiva: Gustavo Vinagre, Max Eluard e Rodrigo Carneiro
Direção de Fotografia: Thais Taverna
Direção de Arte: Fernando Zuccolotto
Som: Jonathan Macías e Victor Jaramillo
Montagem: Gabriel Pessoto
Elenco: Wilma Azevedo/Edivina Ribeiro e Jules Elting
Personagens Reais Principais (que interpretem elus mesmes): Wilma Azevedo/Edivina Ribeiro
Roteiro: Gustavo Vinagre
Designer do Cartaz e dos Créditos: João Marcos de Almeida
Ilustrador do Cartaz: Gabriel Pessoto
10th SICILIA QUEER 2020 International New Visions Festival (Itália)
15th Tel Aviv International LGBT Film Fest (Israel)
24th Queer Lisboa – International Queer Film Festival (Portugal)
28º Festival Mix Brasil
42º Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano (Cuba)
70th Berlinale – Festival Internacional de Cinema de Berlim (Alemanha)
Black Canvas Festival, 2020 (México)
Bogotá International Film Festival 2020(Colômbia)
FIDOCS – Festival Internacional de Documentário de Santiago (Chile)
Gender Border Film Festival, 2020 (Itália)
Panorama Internacional Coisa de Cinema 2021 – Prêmio de Melhor Filme
BIOGRAFIA DE ARTISTA
BIOGRAFIA DE ARTISTA
Créditos: Caetano Gotardo |
Gustavo Vinagre graduou-se em Letras pela USP. É formado em roteiro pela Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños, Cuba. Dirigiu os filmes: Filme para Poeta Cego (2012), La Llamada (2014), Nova Dubai (2014), Os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos (2016) e Filme Catástrofe (2017), Lembro mais dos corvos (2018), A rosa azul de Novalis (2019) e Vil,má (2020). Atualmente, finaliza o longa documentário "Deus tem aids" co-dirigido com Fábio Leal, e o longa de ficção "Desaprender a dormir". FILMOGRAFIA Filme para poeta cego - (2012, 27min) |
MATERIAL COMPLEMENTAR
RASCUNHO DE TRATAMENTO DO FILME
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CRÍTICA - Luiz Santiago - Plano Crítico
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CRÍTICA - Sílvia Nugara - New CULTFRAME Arti Visive
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CRÍTICA - Gregory Coutaut - Le Polyester
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CRÍTICA - Giampiero Raganelli - Quinlan Rivista di Critica Cinematografica
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ENTREVISTA - Sílvia Nugara - Il Manifesto
ENTREVISTA - Jan Felix entrevista Gustavo Vinagre e Wilma Azevedo - Teddy Award
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DEBATE - Mediação: Camila Gregório. Participação dos realizadores Gustavo Vinagre (Vil, Má), Anna Zêpa (Adelaide, aqui não há segunda vez para o erro) e Lillah Halla (Menarca) - XVI Panorama Internacional Coisa de Cinema
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Notas sobre “Vil, má”:
Com este título que divide o nome da personagem, quis jogar com a ideia de uma personalidade dupla, assim como o filme que também está dividido em duas partes que se refletem. A dicotomia é reforçada pelos enquadramentos laterais que, quando são montados juntos - cortados do esquerdo para o direito, e vice-versa -, provocam um salto de eixo (como pode ser notado em alguns testes de câmera aqui). A câmera central une esses enquadramentos laterais, assim como o filme que, como um todo, tenta formar uma só personagem a partir de duas perspectivas.
Por isso, optei por manter as mesmas escolhas estéticas entre as duas partes do filme, porque também queria enfatizar as semelhanças entre elas - e reforçar que na aparência podemos ser um só, porém diversos no interior: uma dominatrix ou uma mãe devotada.
“Vil, má” reflete duas possíveis imagens encarnadas na mesma pessoa. Na primeira parte vemos Wilma, escritora erótica, uma mulher forte e destemida que não tem vergonha de nada e quer aprender tudo sobre sexo e escrever sobre ele. Na segunda parte, Edivina, nome que inevitavelmente nos remete à religiosidade de sua formação, é uma mulher com um casamento falido que precisa criar um outro eu para encontrar dinheiro para os filhos e liberdade para seus desejos. As partes se contaminam, já que Edivina é a criadora de Wilma, mas ela também é transformada por ela. E Wilma não é só pessoa, é também a máscara que permite a Edivina transformar seus desejos em ação - mesmo que em ação literária (ou algo daquilo tudo de fato aconteceu? Jamais saberei.)
Wilma é realmente apenas ficção, apenas um pseudônimo? Os limites são confusos e acho que tudo pode ser verdade dentro de uma mente criativa. Nessa narrativa, tudo se mistura: as ficções que ela escreveu, as memórias de suas ficções, a realidade que ela transformou em ficções para disfarçar seus desejos da sociedade moralista e até de si mesma; sua realidade, as memórias de sua realidade e as fantasias que ela criou de sua realidade para torná-la mais divertida ou suportável.
Minha maior inspiração para fazer um documentário é usar o arquivo mental de um personagem - sonhos, desejos, fetiches, anseios, criatividade - como o cerne de um filme. Acho que criatividade é a fusão completa de ficção e realidade. Não há tempo no inconsciente. E embora vejamos fotos de arquivo e ouçamos a voz de outra mulher sentada atrás dela - Wanda, seu alter ego mais jovem - lendo os contos e as cartas dos leitores de Wilma, esses sons e imagens fragmentados não são como lampejos oníricos? Não é o passado uma criação que podemos acessar em nossas memórias, como em um sonho? Tudo o que existe é o que nos diz Wilma/Edivina no presente, sentada naquela cadeira.
Wanda, cujo nome se refere à personagem de "A vênus das peles" de Masoch, é apresentada como uma atriz que está lá para observar Wilma/Edivina para um futuro filme, que não veremos. Mas ela também pode ser um duplo, uma secretária, uma aprendiz de dominatrix, uma escrava sexual, ou mesmo uma modelo... O papel exato que Wanda desempenha não importa: o role playing é um jogo de espelhos sem fim. O filme que estamos assistindo representa o filme futuro e o filme passado - novamente, porque não existe tempo.
“Vil, má” foi filmado em 2013, mas só consegui terminá-lo em 2020. Acho que diz muito sobre o tempo que precisava para compreender essa complexidade. Tive de fazer mais dois filmes com uma única personagem, “Lembro mais dos corvos” (2018) e “A rosa azul de Novalis” (2019), para finalmente completar esta possível “trilogia do eu” - terminando exatamente onde começou.
Em um país em que os números da violência contra as mulheres são assustadores e vergonhosos, alegra-me pensar nesta senhora desfrutando livremente de sua sexualidade - e falando disso -, sendo ela quem exerce violência sobre os homens (mesmo que, neste caso, de forma consensual).
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A primeira vez que soube sobre Wilma Azevedo, foi quando fui convidado a participar de uma antologia de textos SM pelo meu então professor Antônio Vicente Pietroforte. Na antologia, estavam também Wilma e Glauco Mattoso (quem eu já admirava e emulava). Nesta antologia, Wilma publica um de seus contos, “À força bruta”, citado diretamente em “Vil, má”: a tentativa de estupro por parte de Touro, que lhe dava uma carona, e a reação de Wilma enforcando-o com o cinto de segurança, levando-a a orgasmos múltiplos. Depois, tomei emprestada essa imagem da mulher enforcando com o cinto de segurança, no episódio 04 da série “Noturnos” do Canal Brasil, stills aqui.
Aqui, a capa da Antologia, a primeira página do conto de Wilma, e o meu poema.
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Na época das filmagens do meu primeiro curta, “Filme para poeta cego”, Glauco Mattoso fazia um diário em sonetos sobre o processo do filme protagonizado por ele. Nele, há inclusive a descrição de cenas que caíram em montagem (como a cena do chá escutando futebol no radinho) e dispositivos que foram ficando para trás conforme o roteiro se atualizava. Por exemplo, a ideia de que o filme seria sobre a investigação de um ator se preparando para interpretar Glauco em um filme futuro que não seria visto. Resgatei esta ideia, de maneira quase subliminar, em “Vil, má”, com a personagem Wanda, interpretada por Jules Elting. Aqui, o email que Glauco me enviou com esses sonetos.
Conheci Wilma quando ela se apresentou para mim justamente numa sessão de “Filme para poeta cego” no Festival Mix Brasil como amiga de Glauco, com um vestido de veludo azul e saltos altos. Fiquei hipnotizado e, após a sessão, tomamos um café no cine Itaú Augusta, onde ela me contou muitas partes da sua vida, que me deixaram curioso e atento. A cereja do bolo foi quando ela citou o poema a seguir de Glauco Mattoso e sua profetização: “no olhar do Cineasta que nos filma”. Este poema foi escrito quiçá nos anos 90, eu dirigi “Filme para poeta cego” em 2011, e ele já sabia que haveria alguém que os filmaria. Quem conhece Glauco sabe de sua clarividência. Arrepiei e decidi fazer o filme.
SONETO 226 A WILMA AZEVEDO
A tia da Tiazinha é dona Wilma,
que é vil e má no tipo que criou,
mas boa, quase casta, como sou
no olhar do Cineasta que nos filma.
Foi ela personagem de carisma
e o sadomasoquismo inaugurou,
não como atriz pornô, de X ou show,
mas nesta infensa imprensa, um outro prisma.
Virou dominadora e foi madrinha
de todas as libidos sem batismo,
da dor à adoração, inclusa a minha.
A sedução do sadomasoquismo
tornou-a consultora e a fez rainha.
Vitória do tesão sobre o cinismo.
Em um e-mail mais recente, Glauco me envia um novo poema sobre Wilma.
Gustavo, recebi ligação da Wilma, que me disse não estar abrindo emails.
Ella me pediu o poema abbaixo, que foi incluido no livro SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR, publicado em ebook. Peço que retransmitta a mensagem abbaixo ao cellular della. Um bom anno novo e um abbraço orthographico.
///
VIVA VOVÓ [5899]
Achavam que ella, a Wilma, ja gagá
estava. Pois onde é que ja se viu
senhora tão gentil tornar-se vil
e má com seus escravos? Alguem ja?
Occorre que ella mestra foi, será
de sadicos, masocas, de quem riu
da dor alheia, como quem, servil,
serviu alguem que duras ordens dá.
Pessoalmente, Wilma nem paresce
cruel dominadora. Na verdade,
cultiva affectos, busca na amizade
a mesma devoção da pia prece.
Zeloso, torço para que não cesse
de ser quem tantos homens persuade
a serem bons discipulos de Sade.
Tão magica vovó não envelhesce.
///
...
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Mais sobre o processo:
Aqui, é possível ver a imagem da tapeçaria de autor desconhecido, que mostra uma mulher em primeiro plano numa espécie de oração ou expectativa de um desejo que logo se cumprirá. Este quadro povoou minha infância, pois é de minha mãe, e cresci olhando para ele. No filme, ele é o quadro pendurado na parede lateral. Quero ressaltar o trabalho de João Marcos de Almeida, que além de fazer a bela correção de cor do filme, aplicou este quadro sobre o quadro que realmente estava lá. Um dia, quem sabe, a arqueologia digital poderá encontrar o que estava por baixo. Bom, não os farei esperar tanto. Havia outra tapeçaria embaixo. Na época da filmagem, eu não me atentei a ela, as cores estavam esmaecidas, e aquilo me pareceu fazer alusão a imagens do Egito antigo. A falta de uma pessoa negra na equipe também foi essencial para que isso passasse despercebido. No entanto, assim que comecei a mostrar o filme em testes de montagem, me foi apontado que se tratava de uma imagem de pessoas escravizadas feita por Debret. Como me parecia horrível a ideia de ver uma imagem de pessoas escravizadas em um filme que repete a palavra escravo associada ao prazer, foi fundamental trocar a imagem - inclusive, para os espectadores não acharem que aquele quadro era do gosto de Wilma.
Aproveito para falar da bela direção de arte de Fernando Zuccolotto, com quem trabalhei em “Nova Dubai” e “Chutes”. Para a arte, usamos alguns elementos trazidos pela própria Wilma (como a pequena estátua de uma mulher, que é capa de seu livro “A vênus de cetim”), e a ideia era compor um espaço ao mesmo tempo aconchegante como uma casa de avó e ainda assim misterioso, sensual, e imponente. A locação é em uma casa no Bixiga, na rua Conselheiro Carrão, e foi gentilmente cedida pela fotógrafa do filme, Thaís Taverna, que depois transformou a casa no agora fechado Espaço de Cultura Bela Vista.
Estas imagens são fotos do set. É possível ver grande parte da equipe (Carlos Barbosa - produtor; Jonathan Macías - som; Giovanna Pezzo - assistente de fotografia), Fernando Zuccolotto maquiando Wilma, eu e Thais pensando o enquadramento, Wilma me mostrando sua pasta secreta, e Wilma e Jules Elting posando juntas. Aproveito para contar que Jules Elting, que então morava no Brasil, foi convidade, por mim, a fazer parte do filme um dia antes das filmagens.
Estas imagens dizem respeito ao processo de feitura do cartaz do filme, pelo artista Gabriel Pessoto, também montador do filme, com quem tive a sorte de trabalhar diversas vezes. A ideia era fazer Wilma composta por momentos captados no material de arquivo, formando a imagem dessa mulher a partir de outros momentos, outros corpos, e de desejos plurais. Alguns cartazes que trabalham com recortes e/ou desenhos formando uma terceira imagem, maior, serviram como inspiração. Gabriel trouxe o “O discreto charme da burguesia” e João Marcos de Almeida, que também fez o design do cartaz, trouxe “John Wayne y los Cowboys”. No rascunho,já é possível ver a ideia da borda - também presente nas referências - que criam um quadro dentro quadro, o que, pelo menos pra mim, reforça alguns aspectos formais do filme.
Sobre a montagem, eu e Gabriel - que dividimos apartamento, o que facilitou o fluxo do trabalho - montávamos sempre que tínhamos tempos livres, ao longo de alguns meses de 2019. Nosso maior desafio foi decidir quando iniciar uma história, e quando sair dela, para que ela fosse compreensível o suficiente, mas que ainda deixasse alguns mistérios no ar, que fizessem o espectador querer continuar escutando - o que pode ser desafiador em um filme tão mínimo, em contraste com um mundo de imagens frenéticas. Foi ideia do Gabriel (e parte de seu talento de artista plástico) reenquadrar o material de arquivo, às vezes revelando apenas um pedaço de uma foto, expondo as bordas das polaroids, etc.. - reforçando o jogo de querer ver mais.
Aqui, o moodboard, um material que não existiria, não fosse pedido em alguns editais. Engraçado ver como as referência eram amplas, pois como verão em seguida, quando ainda aplicava o filme a editais, ele era um projeto bem menos minimalista, e era formado por um mosaico de esquetes ficcionais, como no filme “32 short films about Glenn Gould” de François Girard, misturado à imagens talking-head de Wilma contando sua história como no filme “Tabloide” de Errol Morris, que é contado pela própria personagem dos fatos narrados, Joyce McKinney. Na época queria algo da grandiloquência de “Funeral Parade of Roses” de Toshio Matsumoto, de onde, por sinal, Kubrick emprestou algumas coisas para a montagem de “The clockwork orange”, que eu também queria tomar emprestado. A câmera estática de “66 scenes from America” de Jorgen Leth já me seduzia. São filmes que, em sua maioria, eu tive acesso quando estudei em Cuba, na EICTV, e que me impactaram na época. As outras imagens são da própria Wilma - inspiração mór - inclusive a do porquinho sadomasô de Sapólio. Essa história não ficou no filme, mas Wilma conta que quando viu essa propaganda, foi que decidiu assumir para o mundo que era ela quem escrevia aqueles contos. “Se até uma marca como Sapólio fala de sadomasoquismo, eu não posso mais me esconder...” Completam o álbum, duas fotos de “Filme para poeta cego”, por razões que já ficaram óbvias.
O documento “Rascunho de tratamento”, aqui, traz uma versão muito inicial do argumento deste filme nunca realizado (escrito em 2012 ou 2013), composto por esquetes, e que misturava linguagens documentais diversas. Como meus filmes não tendem a ganhar editais, seria impossível realizar este filme sem dinheiro, e logo abandonei a ideia, e decidi me ater e focar na narrativa de Wilma, e no poder de suas histórias em gerar imagens mentais no espectador - dispositivo que eu já havia explorado em “Filme para poeta cego”, brincando com a audiodescrição/narração, o que é visto e o que não é.
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Berlinale:
O filme estreou na última Berlinale física, em 2020, logo antes da pandemia. Um ano excepcional para o cinema brasileiro, com 19 filmes selecionados para este que é um dos mais relevantes festivais do mundo. Importante ressaltar que este destaque só existiu graças a incentivos ao audiovisual e à Ancine, importante órgão que foi assassinado pelo governo Bolsonaro, que não quer que os brasileiros se vejam e se reconheçam nas telas do cinema e do audiovisual como um todo, para que sigamos uma colônia cultural estadunidense.
https://revistacult.uol.com.br/home/berlinale-brasil-sem-concessoes/
“Vil, má” foi exibido na mostra Forum, e foi citado no texto comemorativo de 50 anos da Mostra, por sua diretora, Cristina Nord, aqui. Aqui, no nosso momento revista Caras, é possível ver Wilma, eu e parte da equipe (Gabriel Pessoto, Thaís Taverna e Jules Elting) em apresentações do filme, que foi exibido 6 vezes em diferentes cinemas pela cidade. Também vemos Wilma em peripécias no hotel, por Berlim, em sex shops (que muito lhe interessam) e até um pit stop num hospital, pois estava tão animada que acabou esquecendo de tomar água e teve uma desidratação.
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Aproveito o espaço, e agradeço a toda equipe do filme pelo empenho, e especialmente a Max Eluard e Rodrigo Carneiro, que produziram este filme comigo. Muito amor por todes envolvides. Agradeço enormemente a Wilma Azevedo/Edivina Ribeiro e a seu filho Eduardo pela abertura, confiança, apoio e coragem neste processo.
OBRA CONVIDADA
OBRA CONVIDADA
profanAÇÃO
De Estela Lapponi (2018, 25min, SP)
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA - Não recomendado para menores de 12 anos.
Sinopse: Cinco artistas – umx surdx, dois com baixa visão, umx cadeirante e umx periclitante – se encontram para responder as perguntas que vasculham tudo o que há de bom e de ruim em ser o que são.
JUSTIFICATIVA
Escolhi o filme “profanAÇÃO” de Estela Lapponi porque acredito que nossas obras dialoguem de muitas formas. O filme de Estela é de 2018, portanto lançado após as filmagens de “Vil, má”, porém antes de sua montagem e finalização em 2020. Sinto que meus filmes (os mais documentais) beiram o performático, geralmente não faço mais de um take a não ser que seja muito necessário, o que muitos poderiam considerar como parte natural de um documentário (e o fato é que não é, necessariamente). Porém, meus filmes geralmente estão circunscritos a dispositivos, ambientes e temporalidades muito claros - uma mulher narra histórias numa noite de insônia (Corvos), um homem narra histórias no tédio de um domingo (Novalis), um senhor pensa para quem telefonar pela primeira vez, em um dia de trabalho (La llamada) - e acredito que isso os aproxime de uma lógica performática: embora os atores/personagens às vezes tenham diálogos escritos e precisos, embora os ambientes/locações em sua maioria sejam ficcionais, o que ocorre dentro destas molduras ainda parece estar andando numa corda bamba e dependendo de outras equações que são frutos de acasos. Ou seja, dentro do ambiente super-controlado e de temas claramente direcionados, está inserido o espaço onde necessariamente o acaso se encaixa (como os atores/personagens contam suas histórias naqueles dias específicos, diante daquela equipe, ou como reagem às imagens criadas pelo filme - Glauco me “vendo” ser amarrado, Wilma diante da figura de uma mulher loira mais jovem - e que tipo de informação nova pode ser trazida por essas fricções - como quando o alarme de Wilma toca em cena, lembrando-a que ela precisa tomar o remédio da pressão, lembrando-nos do aspecto corpóreo e finito dessa mulher ou quando descobrimos que Akira, esposo de Glauco, que parece tímido e submisso, se revela sarcástico e sádico diante da situação que se apresenta. Por isso mesmo, tendo a pensar esses filmes como experimentos, e muitas vezes os faço sem saber se serão curtas ou longas-metragens. Acredito que o filme de Estela se aproxime dos meus, não apenas no caráter performático, como temático, e também na maneira como aborda seus temas. A forma direta com que mostra o que quer mostrar, a maneira com que joga luz nos corpos com deficiência, que é o corpo dela própria, e como filma essas pessoas com proximidade e sensualidade; sensualidade que a sociedade insiste em desvincular desses corpos. A maneira com que ela flerta com o documental para negá-lo, ao colocar perguntas lugar-comum com que pessoas com deficiência se deparam todos os dias escritas em objetos cotidianos, mas que nunca são perguntadas para os corpos do filme. Sinto que, de alguma maneira, ao me aproximar de personagens que criam universos fictícios para si mesmos, eu faço um caminho similar em meus filmes. Eu documento ficções, corporifico sonhos e em profanAÇÃO, Estela ficcionaliza corpos-documentos e profana a possibilidade de acesso a um real.