“Glauber, Claro”: um retrato afetivo de Glauber Rocha

Cesar Meneghetti reuniu círculo de amigos para lembrar o exílio do diretor brasileiro na Itália

*Por Luiza Piffero

 

A primeira vista, Glauber, Claro é um documentário sobre Claro (1975), longa-metragem experimental feito por Glauber Rocha durante seu exílio na Itália. Na medida em que os minutos passam o que mais transparece é o fascínio que o diretor inspirava naqueles que o conheciam – e em quem, anos mais tarde, escutou suas histórias. É o caso de Cesar Meneghetti, que como jovem estudante de cinema em Roma, conheceu pessoas que proclamavam um verdadeiro amor por Glauber. Quinze anos mais tarde, Meneghetti entrega Glauber, Claro, um retrato afetivo do cineasta baiano que está na Mostra Outros Esquemas, do 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira

Diferente de outros documentários sobre Glauber, o filme foca em um período específico da vida do diretor, durante seu exílio na Roma dos anos 1970. É também um momento especial na capital italiana, que estava envolvida em uma atmosfera revolucionária comparada pelos personagens do filme ao maio de 1968 na França. Foi um tempo de militância política e utopia que o próprio Meneghetti sente necessário resgatar: “É uma coisa que as pessoas estão perdendo. O Glauber fazia parte de uma comunidade e acreditava que esse grupo poderia melhorar o mundo. A utopia, como diz o Galeano, é impossível alcançar, mas é o horizonte que serve para continuar caminhando avante. Acho que o Glauber no cinema mundial fez o pensamento do homem andar avante. Nesse momento em que as pessoas têm uma péssima opinião de si mesmas e para onde o mundo está indo, é uma importante lição para buscar algo além dos nossos horizontes imediatos”. 

Glauber, Claro habita tanto o passado quanto o presente. Meneghetti revisita as locações do filme, contrapondo uma cena de protesto setentista a uma recente passeata pelo clima. Cria assim, um diálogo entre os dois filmes e duas visões apaixonadas de Roma. Meneghetti também reuniu o círculo de amigos de Glauber, convidando-os para assistir ao filme Claro juntos e trocar lembranças. “Foi incrível reunir essas pessoas lá, muito emocionante, se respirava uma atmosfera muito amorosa”, conta o diretor. 

Nesse mosaico de memórias, um personagem se destaca: o ator argentino radicado na Itália Luis Maria “El Cachorro” Olmedo, a quem Meneghetti chama de sobrevivente. Quase 50 anos depois de Claro, ele é o único ator do elenco vivo, junto com Betina Best. E Luis é um repositório de boas histórias sobre o diretor baiano. Meneghetti comenta a importância do ator no documentário: “O Cachorro é um animal do teatro e ele segura a cena muito bem, sabe ser divertido, emocionar. Mimetiza o Glauber de maneira amorosa e simpática. Percebi na hora e depois na montagem que ele era a pessoa que mais comunicava aquilo que a gente queria passar no filme. Essa coisa carinhosa e também sabia fatos sobre o Glauber artista e ser humano, não do Glauber cineasta, intelectual, ativista.”

"El Cachorro" tornou-se um amigo próximo de Glauber e teve a vida transformada por essa amizade. Segundo o ator, Glauber era “uma pessoa que mudava as outras para melhor” e que, ao lançar sempre um olhar político ao mundo, acabava por revelar o que os outros não viam. Em entrevista ao CEN, o ator arrisca dizer o que Glauber estaria fazendo caso fosse vivo: “Seguramente não estaria fazendo filme para a Netflix. Estaria fazendo coisas que ninguém mais faz, porque ele é uma força única na história do cinema mundial. Para mim, ele está presente continuamente, escuto até a voz dele. É como ter um santo, Santo Glauber”, brinca o ator. 

*O 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira é uma realização da ACENDI – Associação Cine Esquema Novo de Desenvolvimento da Imagem. Projeto realizado com recursos da Lei nº 14.017/2020.

 

Assista "Glauber, Claro" e saiba mais sobre o filme

 

Confira abaixo o depoimento que Luis Maria “El Cachorro” Olmedo enviou desde sua casa na Itália para o festival: 

 


 

Além de cineasta, Cesar Meneghetti é artista plástico. Seguindo a proposta do 14º Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira, ele compartilhou seus cadernos de artista conosco. Confira:

 

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